Por Lívia Borges
Os primeiros clarões do dia chegavam pela janela. Eu ainda não tinha percebido. Continuava o trabalho voluntário que me enriqueceu algumas horas durante a madrugada, após um momento de oração. O canto doce e profundo de um pássaro transportou-me para o sentido da vida. Ali a oração se consumou em louvor, que se converteu em comunhão. Não existem regras para a relação da alma com o Criador. Agora, outros pássaros despertaram e novos cantos se juntaram às lágrimas de alegria que vertiam de meus olhos. Uma alegria simples, sem porquês. Talvez pelo simples fato de presenciar a delicadeza persistente da vida que se renova a cada manhã.
Se eu pudesse fotografar o canto desses pássaros como um dia o poeta Manoel de Barros quis fotografar o silêncio, acho que seria um registro similar.
Um novo sentimento se juntou à minha alegria. Algo como gratidão pela vida e por estar desperta para desfrutar de tal inspiração. É como se, nesse momento, também alguém distante renunciasse ao sono e orasse por mim.
Sempre podemos fazer algo por nós e pelos outros. Levantar-se mais cedo é um bom hábito. Aproveitar o Brahma Muhurta (hora de Brahma ou hora do Criador), assim denominado pelos hindus para o período de menos de 2 horas antes do nascer do sol e extremamente benéfico para as práticas espirituais e para tornar o dia mais produtivo. Neste momento, segundo o Ayurveda (ciência médica milenar da Índia), há influência do dosha Vata (composto pelos elementos ar e éter) e a atmosfera está repleta de prana (energia vital). Não é por acaso que em muitas tradições espirituais incentive-se acordar cedo. "Deus ajuda quem cedo madruga!", diz o ditado popular. A mente passa a funcionar com mais clareza e podemos sentir que nos apropriamos conscientemente de nosso tempo, intenções e esperança. O dia flui melhor.
Ao contrário, quando nos levantamos após esse horário, a sensação pode ser de que acordamos pesados, sonolentos e confusos. Começa a imperar sobre a mente o peso dos compromissos e desafios. Surge a preguiça ou a ansiedade toma conta. O dia não flui ou torna-se agitado, tenso. Parecemos estar correndo contra o tempo.
Conte-nos com que estado de espírito você acorda. Hoje foi assim que acordei e quis compartilhar os benefícios deste simples hábito. Agora os sons ocupam mais espaço que o silêncio, as pessoas começam a acordar e a agitação do dia recomeça. A diferença é que posso observar sem ser movida de imediato por essa inquietude que nos faz perder o foco.
"A benignidade do Senhor jamais acaba, as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã." Lamentações 3:22,23
Lívia Borges - psicóloga, escritora e praticante de meditação yoga e vedanta.
---
Imagem: Mustangjoe by Pixabay
Comentarios