Desextinção do lobo-terrível: avanço científico ou distração perigosa?
- Lívia Borges
- 18 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de abr.
Na última semana, o noticiário foi tomado por manchetes sobre a "desextinção" do lobo-terrível (Aenocyon dirus), uma espécie que desapareceu há cerca de 13 mil anos. O feito foi realizado pela Colossal Biosciences, uma empresa bilionária dos Estados Unidos que afirma ter como missão restaurar a biodiversidade por meio da reintrodução de espécies extintas.

O projeto vem sendo celebrado e promovido como uma conquista para a conservação ambiental. Mas será que essa tecnologia realmente serve aos melhores interesses da natureza?
Muitos ecologistas argumentam que, embora a engenharia genética envolvida seja impressionante, ela pode acabar banalizando a seriedade da atual crise de extinção global. O receio é que iniciativas como essa desviem a atenção – e os recursos – de estratégias já comprovadas para proteger a biodiversidade remanescente.
Um ponto fundamental é que os três filhotes criados – batizados de Rômulo, Remo e Khaleesi – não são verdadeiros lobos-terríveis. A Colossal realizou 20 alterações em 14 genes específicos do genoma do lobo-cinzento, utilizando a tecnologia CRISPR-Cas9. Considerando que o genoma completo do lobo-cinzento possui cerca de 2,4 bilhões de pares de bases, isso representa uma modificação ínfima. Se aplicássemos essa lógica aos seres humanos, poderíamos chamar um chimpanzé de humano após apenas 20 alterações genéticas?
Na prática, esses animais são apenas versões levemente modificadas de lobos-cinzentos. E enquanto milhões de dólares são investidos nesses projetos, iniciativas tradicionais e eficazes de conservação – como a proteção de habitats, o controle de espécies invasoras e a redução do uso de combustíveis fósseis – seguem cronicamente subfinanciadas.
Ao vender a ideia de que a extinção é reversível, corre-se o risco de diminuir a percepção pública sobre sua gravidade. Títulos sensacionalistas, como o da revista TIME, que riscou a palavra “extinta” da capa, podem passar uma mensagem enganosa: de que é possível desfazer qualquer dano ambiental com tecnologia.
O perigo é que essa falsa sensação de controle transforme a desextinção em uma justificativa para continuar degradando o meio ambiente, como se houvesse sempre uma solução futurista disponível. Mas a morte – de indivíduos e de espécies – é definitiva. É essa consciência que impulsiona muitos a arriscarem suas vidas em prol da conservação. Não por acaso, estima-se que cerca de 150 guardas florestais morram todos os anos protegendo espécies ameaçadas.
Espécies que já desapareceram, como o rinoceronte-branco-do-norte ou o pombo-passageiro, são símbolos poderosos que alertam sobre o que podemos perder. Ao tratar a extinção como algo temporário, corremos o risco de minar o senso de urgência necessário para evitar novas perdas.
E se, por um momento, imaginarmos que o lobo-terrível pudesse realmente voltar: será que ele seria protegido? É uma ironia cruel que, enquanto milhões são gastos para recriar uma versão do lobo-terrível, seu parente vivo, o lobo-cinzento, continue sendo caçado em diversas partes do mundo. Na Espanha, por exemplo, o governo recentemente derrubou proteções legais que impediam sua caça ao norte do rio Douro.
O mesmo ocorre com outros predadores. Na Austrália, o dingo – que ajuda a controlar espécies invasoras como raposas-vermelhas e gatos – também é perseguido. Curiosamente, a Colossal também planeja trazer de volta o tilacino, ou tigre-da-tasmânia, outra espécie de predador nativo que foi extinta.
Se não conseguimos preservar os predadores que ainda vivem hoje, em ecossistemas já fragilizados, que sentido faz reintroduzir espécies extintas em um mundo que não está preparado para recebê-las?
Atualmente, estima-se que até 150 espécies desapareçam todos os dias. Nenhuma tecnologia genética resolverá isso se não enfrentarmos as causas reais: a destruição de habitats, a exploração excessiva dos recursos naturais e as mudanças climáticas.
Embora a "ressurreição" do lobo-terrível seja vendida como um triunfo da conservação, ela corre o risco de distrair o público e os tomadores de decisão dos desafios reais e urgentes. Em vez de focar em soluções concretas, corremos o risco de transformar a proteção da biodiversidade em uma fantasia de laboratório digna de Jurassic Park – quando já temos o conhecimento necessário para proteger as espécies que ainda estão aqui.
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