Por Lívia Borges e Osvaldo Condé
“O mito e a religião não são fases na consciência humana, mas uma parte da própria consciência humana.” Mircea Eliade
Por que tantos estudiosos deram importância e se debruçaram nos mitos e hoje eles estão parcialmente esquecidos? O mito é uma fantasia? Ou por detrás dele, existe uma realidade arquetípica? Qual a utilidade de se estudar mitos? Como ele pode ajudar-nos a entender os enredos de filmes, novelas ou literatura? Como o mito pode ajudar a psicologia e que mito estamos vivendo?
O que Jung dizia sobre os mitos? Quais elementos da religião judaico/cristã tem base na mitologia, qual é a relação do santos e dos deuses gregos? Por que há tantos mitos nos enredos teatrais ou cinematográficos?
A mitologia presente nas religiões e nos contos de fadas transmite valores através do tempo. Contos aparentemente infantis, podem evocar no adulto potencialidades adormecidas, fazendo-o experimentar emoções e sentimentos libertadores. Como há uma comunicação entre a dimensão individual e a coletiva, a esperança é renovada e novas atitudes podem ser observadas na sociedade.
Diferentes forças arquetípicas entram em jogo, como o guerreiro, transformador e resiliente por natureza. O guerreiro mergulha no inconsciente para trazer intacta a natureza divina; aprofunda-se em águas desconhecidas para resgatar a esperança e a qualidade de vida; submerge-se no escuro para encontrar a luz verdadeira; enfrenta o feio, o sombrio, o doente, e tudo o que foi renegado aos porões da alma, para libertá-la, curá-la ou simplesmente sobreviver.
Em sentido amplo, vence sua primeira luta separando-se dos pais primordiais e tornando-se uma entidade autônoma, diferenciada e inter- dependente. Usa o poder simbólico da espada para o corte libertador e para destruir imagens idealiza- das e expectativas irreais. Conquista a autonomia e emancipa-se emocional e sexualmente, solucionando os conflitos com a imagem da mãe e do pai internalizados.
O mito do guerreiro é transcultural e o guerreiro, como símbolo, não é necessariamente um indivíduo, mas a comunicação subjetiva da psiquê individual com o inconsciente coletivo, evocando o potencial implícito. Em âmbito pessoal, o guerreiro não é apenas um aspecto, e sim uma atitude, uma intencionalidade ou uma necessidade, fruto de partes conscientes de si mesmo.
Heróis mitológicos matavam dragões, agora os dragões simbolizam a fome, a dor, a doença, o condicionamento, os desafios da vida que fortalecem os que sobrevivem, transformando-os em heróis do cotidiano.
Para Khalil Gibran, “todo dragão dá nascimento a um São Jorge, que o mata”, demonstrando a reciprocidade entre causa e efeito, função e órgão, em óbvia causalidade circular. A linearidade causal é in- capaz de explicar a complexidade das relações. Em física quântica, o princípio da “Hierarquia Embaraçada” evidencia a mútua influência e a intervenção consciente entre sujeito e qualidade. O dragão pode retratar uma característica negada ou um potencial relegado.
Neste caso, o herói, seja guerreiro ou não, precisa ser grato e devolver à vida os frutos da força que o gerou. Assim estará apto a ser um agente de transformação do meio em que vive. Onde houver algum tipo de humanidade, haverá heróis, donzelas, monstros (ainda que morais) fantasia, esperança, criatividade, arte, literatura e, portanto, mito.
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Lívia Borges e Osvaldo Condé
Texto publicado originalmente no Guia Lótus, Ano 32, Nº 327, Agosto 2019
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